terça-feira, 27 de outubro de 2009

Pão, segurança e poder

Em 1954, um americano chamado Abraham Harold Maslow publicou um livro chamado Motivation and Personality (Motivação e Personalidade), com idéias que perduram até hoje e ficaram mais conhecidas como Teoria de Maslow ou Hierarquia das necessidades. Maslow apresentou uma seqüência hierárquica de necessidades do ser humano que precisam ser saciadas para que seja atingido um nível de satisfação, ou “auto-realização”, como ele mesmo chamou.

Em primeiro lugar estão as necessidades fisiológicas (fome, sede, sono), seguidas pelas de segundo nível que se referem à segurança (casa, emprego, saúde). No terceiro nível estão as necessidades sociais (amor, afeto, pertencer a um grupo). Na seqüência estão as necessidades de estima em duas vertentes: a auto-estima e a estima dos outros em relação ao que faço. Por fim está a auto-realização, a etapa onde o indivíduo procura tornar-se aquilo que ele pode ser (moral, satisfação).

Essa teoria foi questionada e aprimorada por outros entendidos do assunto, mas é muito utilizada em setores de marketing, RH de empresas, e outras situações. Muitas coisas sobre esse assunto podem ser encontradas na internet e vale a pena saber.

O interessante é que muitos séculos antes de ser publicada, essa teoria já era conhecidíssima por Satanás e foi utilizada para tentar Jesus no famoso episódio da tentação no deserto no evangelho de Mateus.

O demônio resumiu de maneira simples as escalas de Maslow de cinco níveis para três. Mas antes de tudo é bom lembrar a situação em que Jesus estava: Ele foi levado para o deserto, privado de todo e qualquer recurso. Temperaturas altas de dia e frio intenso à noite. Comida e água limitadas. Tornou-se presa de animais famintos que habitam no deserto, como por exemplo as serpentes. Além de toda essa condição externa, Jesus havia se submetido a um jejum. “Ele jejuou quarenta dias e quarenta noites, depois teve fome” (Mateus 4, 2). Vendo essa situação o inimigo se aproximou de Jesus e o tentou, começando pelo primeiro nível de Maslow, a necessidade fisiológica da fome: “ordena que essas pedras se tornem pão” (Mateus 4, 3). Mesmo com toda a fome que estava sentindo ele não transformou as pedras em pães. E bem que poderia, pouco tempo depois ele transformou água em vinho, quer dizer que poder para esse tipo de coisa ele tinha, mas não fez...

A segunda investida de Satanás foi também conforme o segundo nível de Maslow: segurança. Ele transportou Jesus ao ponto mais alto do templo e disse pra Ele se jogar de lá porque se ele fosse filho de Deus os anjos iriam aparecer pra segurá-lo em algum trecho da queda (Mateus 4, 6). Jesus também não fez isso, se bem que poderia, porque ele não dependeria de anjos para segurá-lo numa situação dessas. Para um homem que conseguiria superar a lei da gravidade andando sobre as águas, praticamente flutuando sobre as ondas, não seria novidade nenhuma se de repente ele se jogasse e fosse descendo lentamente, porque ele é senhor da gravidade. Ele tinha poder para isso, mas não fez...

Por fim, o demônio tentou Jesus em uma última necessidade: poder. Ele mostrou todos os reinos da terra e disse que se Cristo se ajoelhasse e o adorasse, tudo aquilo seria dele. Penso que nessa hora Jesus ficou um pouco alterado com a proposta que recebeu e respondeu na lata: PARA TRÁS, Satanás, pois está escrito: Adorarás o Senhor teu Deus e só a ele servirás” (Mateus 4, 10). Jesus ao longo de sua vida “cedeu” muitas vezes sua realeza em favor dos homens, e nunca em favor de Satanás. “Mesmo sendo de condição divina, não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-se aos homens” (Filipenses 2, 6-7).

Todas as possibilidades de Jesus ceder às propostas do inimigo foram frustradas porque Cristo tinha uma visão diferente. Ele sabia que quando uma tentação para o corpo é superada, o benefício é para a alma. Se ele transformasse as pedras em pão e os comesse, saciaria o corpo, mas ele bem sabia que fome maior é a da alma, que se sacia de toda palavra que procede da boca de Deus (Mateus 4, 4). Se ele se jogasse do alto do templo, iria demonstrar ser como uma criança mal educada que manipula seus pais por meio de gritos e ameaças, mas ao contrário, como bom filho, Jesus sabia que não deveria tentar a Deus (Mateus 4, 7). Se ele se prostrasse diante de Satanás para depois poder mandar em todos os reinos do mundo, a história seria outra: ele não deixaria acontecer as guerras, teríamos um mundo sem mortes, sem assassinatos, dor ou fome... Com certeza ele não teria morrido na cruz! Ele seria o rei e nós obedeceríamos a tudo o que ele mandasse. Mas ele não se prostrou, porque embora o poder possa forçar a obediência, apenas o amor pode provocar a reação do amor, que é a única coisa que Deus deseja de nós, sendo o motivo de nos ter criado*.

Confesso que se eu estivesse na situação de Jesus, talvez teria transformado aquelas pedras em pães, bolos, café e muitas outras coisas boas. Quantas vezes colocamos nossas necessidades humanas acima das necessidades divinas? A qualquer preço aceitamos melhorar de vida, subir de padrão, trocar de carro... Mesmo que isso custe nossa moral, mesmo que seja por mentirinhas que ninguém fica sabendo, a custa de trocas erradas, transformando as pedras do sapato e do caminho no pão nosso de cada dia. Quantas chantagens fazemos com pessoas, manipulando, mandando, criando um cativeiro emocional para aqueles que nos servem? Tudo para mantermos uma imagem, uma postura, uma aparente segurança... Quanto consentimento à mentira e à falta de moral... Quantas vezes nos prostramos diante de coisas erradas porque nos dão poder sobre coisas e pessoas que de outra forma não teríamos?

Quando resistimos às três tentações de Satanás como Jesus resistiu, a Teoria de Maslow tem que ser mudada: precisamos primeiro do pão da palavra, alimento da alma; depois vivemos em temor a Deus, que nos dá confiança que nada vai faltar, estamos seguros; por fim, precisamos de adoração, de intimidade com Deus, conhecê-lo e servi-lo, e isso será a total realização, a plena satisfação da alma.

Depois de resistir às tentações, os anjos aproximaram-se de Jesus para servi-lo (Mateus 4, 11). Quando resistirmos às tentações que nos aparecem. Quando nossas necessidades mudarem. Quando buscarmos primeiro o Reino de Deus. TUDO nos será acrescentado (Mateus 6, 33). E vários anjos virão nos servir com mesa farta, com um bom lugar pra morar, com empregos dignos, com relacionamentos sadios, com uma vida em abundância.

* Philip Yancey – O Jesus que eu nunca conheci. 2004. Editora Vida

Um abraço,

Gilberto Monteiro

Obs.: desculpem a demora dessa postagem, ao longo de todo esse mês de outubro estive em estúdio gravando duas músicas inéditas que em breve estarão à disposição pra todos ouvirem. Conto com sua oração!